A Terceira Turma do Tribunal Superior do Trabalho negou provimento
a agravo de instrumento da Adinor Indústria e Comércio de Aditivos Ltda., de
Feira de Santana (BA), que pretendia ser absolvida de indenizar dois empregados
por dano moral depois da descoberta de uma câmera instalada num banheiro e
diretamente conectada à sala de um de seus sócios. Embora a empresa alegasse
ter sido extorquida pelos trabalhadores, o Tribunal Regional do Trabalho da 5ª
Região (BA) condenou-a a pagar R$
100 mil a cada um e reconheceu a rescisão indireta do contrato de trabalho.
Buraco no
teto
A reclamação trabalhista foi
ajuizada na Vara do Trabalho de Feira de Santana (BA) por um técnico de
informática e uma assistente contábil. Segundo o técnico, em agosto de 2007 ele
informou à gerente administrativa da empresa a suspeita de que havia uma câmera
acoplada a um pequeno furo no teto do banheiro unissex da empresa, utilizado
por cerca de 20 funcionários da área administrativa. Depois de confirmar a
existência do equipamento, eles foram, no fim do expediente, ao forro do
banheiro e constataram que a câmara estava conectada a uma televisão e um
gravador de DVD instalados na sala de um dos sócios.
No dia seguinte, o fato foi
comunicado ao outro sócio, irmão do primeiro, que, numa reunião com todos os
empregados que utilizavam o banheiro, anunciou que todo o material encontrado
seria queimado, "para preservação da intimidade das pessoas
filmadas". Na noite do mesmo dia, ainda conforme a inicial, alguns
funcionários, acompanhados do segundo sócio, encontraram na sala do primeiro
"um verdadeiro arsenal pornográfico, muitos CDs, DVDs, revistas e outros
tipos de mídias". O material foi reunido e incinerado num tonel de ferro.
Ao perceber que, para a empresa,
o caso fora dado como encerrado, o técnico e a assistente recorreram à Justiça
e pediram a rescisão indireta do contrato de trabalho, alegando que o
empregador "praticou ato de obscenidade e pornografia nas dependências da
empresa" e, com isso, "lesionou a honra e a boa fama" de seus
empregados. Pediram, ainda, indenização por danos morais no valor de 2.106
salários mínimos para a assistente e 1.843 salários mínimos para o técnico.
Na versão da empresa, os
empregados teriam, eles próprios, instalado a câmera para tentar extorquir os
sócios – e por isso foram demitidos por justa causa.
Invasão
de privacidade X extorsão
O episódio deu origem a dois
inquéritos policiais. No primeiro, um grupo de funcionários pediu à autoridade
policial "para tomar as providências penais cabíveis" diante da
invasão de privacidade. O fato, segundo eles, chegou ao conhecimento da
imprensa e teve grande repercussão não apenas em Feira de Santana, mas em todo
o país.
A empresa, por sua vez, acionou a
polícia afirmando que os empregados, "imbuídos do propósito de ganharem
dinheiro fácil", teriam tentado extorquir R$ 600 mil e, sem obter sucesso,
recorreram à Justiça do Trabalho exigindo indenização por dano moral. A
denúncia também resultou na instauração de inquérito policial.
Ao analisar o caso, a juíza da 3ª
Vara do Trabalho de Feira de Santana levou em conta os depoimentos prestados
pelos envolvidos nos dois inquéritos policiais. Ela concluiu que as afirmações
dos trabalhadores à polícia estavam "em frontal contradição" com os
fatos narrados na reclamação trabalhista, uma vez que eles admitiram, nos
interrogatórios policiais, ter negociado valores para uma possível reparação
extrajudicial.
Para a juíza, ficou claro que a
conduta dos dois, descrita nos documentos da polícia, revelava a tentativa de
"obtenção dolosa de vantagem de qualquer ordem", caracterizando ato
de improbidade previsto no artigo 482, alínea "a", da CLT como motivo
para justa causa. Julgou, assim, improcedente os pedidos de dano moral e de
rescisão indireta do contrato. A condenação à empresa se limitou a férias
vencidas, 13º proporcional e multa por atraso no pagamento de verbas
rescisórias.
Reversão
No recurso ao Tribunal Regional
do Trabalho da 5ª Região (BA), os trabalhadores anexaram sentença da 2ª Vara
Criminal de Feira de Santana (posterior à sentença trabalhista) que determinou
o arquivamento do inquérito por tentativa de extorsão. A juíza de direito
entendeu que os fatos que deram origem ao inquérito não caracterizaram o crime
de extorsão, que exigiria meios mais coercitivos e sérios. "A simples
ameaça de um processo ou de instauração de inquérito policial, em regra, não
caracteriza a ação criminosa", concluiu.
No julgamento do recurso, o
TRT-BA afirmou que a existência da câmera no banheiro, por si só, já
caracterizaria a violação à intimidade, à honra e à vida privada dos
trabalhadores. Os depoimentos das testemunhas, por sua vez, confirmaram que o
segundo sócio, na reunião com os empregados, assumiu que fora seu irmão quem
instalara o equipamento. A versão da empresa de que a câmera teria sido
colocada pelos empregados não foi provada, assim como a alegada tentativa de
extorsão.
Outro aspecto destacado pelo
Regional foi o fato de a empresa, ao receber as denúncias, não ter investigado
o fato nem os denunciado à polícia: ao contrário, tratou de destruir as provas,
conduta considerada "reprovável". O acórdão fixou a condenação em R$
200 mil e reconheceu a rescisão indireta do contrato de trabalho.
"Prática
voyeurista"
Com a negativa de seguimento a
seu recurso de revista, a Adinor interpôs agravo de instrumento, tentando
trazer o caso à discussão no TST. Afirmou que o valor da condenação foi
desproporcional porque, em ação idêntica, outra empregada recebera apenas R$ 10
mil. Os R$ 200 mil arbitrados correspondiam, segundo a empresa, a mais de 28%
de seu capital social, e isso, somado ao número de trabalhadores que usavam o
banheiro e poderiam reclamar indenizações, poderia levá-la à falência.
O relator do agravo, ministro
Alexandre Agra Belmonte, reproduziu trechos da sentença e do acórdão regional e
fez um resumo dos fatos ali expostos. Para ele, não há dúvida de que a queima
do material encontrado na sala do primeiro sócio gera a presunção de que as
provas estavam ali – e não em poder dos trabalhadores para fins de extorsão.
A circunstância, segundo ele, é
incompatível com os argumentos da empresa "de desconhecimento da prática voyeurista por seu sócio-irmão" e de ter
sido vítima de uma farsa armada pelos empregados. "Afinal, aquele material
era a prova não só da imoral vigilância, mas também do período em que ela se
deu", afirmou.
Ainda com base nos fatos expostos
pelo TRT, o ministro lembrou que uma das testemunhas, dois meses antes do
incidente, já havia notado o furo no teto do banheiro, o que, para ele,
"reforça a impressão de que muito dificilmente um empregado teria
instalado uma câmera sem conhecimento ou consentimento de alguém da
administração da empresa". A isso se junta a confirmação de que o segundo
sócio reconheceu expressamente, na reunião, que o irmão era o responsável pela
instalação. "Há ainda a informação de diversas tentativas daquele senhor
de reparar espontaneamente o dano, na forma de dobra salarial por um ano ou de
outros acordos, tudo endossando a tese dos trabalhadores de que, na verdade, a
instalação da câmera se deu por iniciativa de alguém ligado à empresa, e não
dos empregados", acrescentou.
Indenização
Quanto à indenização, o ministro
destacou que o fato de ter sido arbitrado valor inferior em outra ação não
condiciona, vincula ou sujeita de qualquer forma a condenação no presente caso.
O argumento do risco de falência também foi afastado. "Embora seja certo
que em 2003 o capital social da empresa era mesmo de R$ 700 mil, não há prova
de que seu patrimônio hoje coincida com o que foi declarado", ressaltou.
Ainda que o fosse, Alexandre Agra assinalou que não se poderia estabelecer um
"teto" para a indenização por conta da mera possibilidade de outros
empregados ajuizarem ações semelhantes, "por absoluta ausência de previsão
legal ou de razoabilidade para tal pretensão".
Fonte: Tribunal Superior do Trabalho
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