01/12/23 - Na vida profissional,
nem sempre as coisas acontecem como deveriam. Situações desgastantes e, por
vezes, prejudiciais à saúde física e mental no ambiente de trabalho podem levar
um empregado a legalmente se recusar a realizar determinada tarefa ou até mesmo
considerar a rescisão do seu contrato de emprego. Nesse contexto, quando o
empregador não cumpre obrigações importantes, a rescisão indireta surge como
uma alternativa. Mas o que é uma rescisão indireta e em que circunstâncias ela
é possível?
Justa causa
A rescisão
indireta se assemelha à demissão por justa causa, mas, no lugar do empregado, é
o empregador quem comete a falta grave que impede a continuidade da relação de
emprego. Trata-se de uma forma especial de encerrar o contrato de trabalho, que
geralmente se efetiva por meio de um processo judicial. Uma vez reconhecida, o
trabalhador tem direito a todas as verbas rescisórias a que teria direito no
caso de dispensa imotivada.
Previsão legal
O artigo 483
da CLT enumera as faltas graves do empregador que podem motivar a
rescisão indireta. Entre elas estão o descumprimento de obrigações contratuais,
atos lesivos à honra do empregado e sua submissão a perigo manifesto de mal
considerável.
Conduta intolerável
Nesses casos,
quando a pessoa se vê numa circunstância em que a conduta do empregador torna
praticamente intolerável a continuidade da sua prestação de serviços, ela pode
se valer da Justiça do Trabalho para que seja reconhecido o seu direito à
rescisão indireta do seu contrato de trabalho.
Situações
Os diversos
órgãos julgadores do Tribunal Superior do Trabalho, interpretando o artigo 483
da CLT,
têm reconhecido o direito à rescisão indireta em diversas situações. Os casos
mais comuns dizem respeito a:
. Atraso
reiterado no pagamento de salários e não recolhimento do FGTS:
quando o empregador atrasa os salários de maneira reiterada ou deixa de
recolher os depósitos do FGTS regularmente.
. Não
fornecimento de equipamento de proteção individual (EPI): quando o
empregador não oferece condições de trabalho seguras e saudáveis, colocando a
saúde do empregado em risco pela não concessão dos EPIs necessários para o
desempenho da atividade.
. Não
pagamento do adicional de insalubridade ou de periculosidade: quando
o empregador não cumpre obrigação de pagar a parcela como contraprestação ao
trabalho exercido com risco à saúde.
. Não
pagamento de horas extras: quando o empregador descumpre obrigação
de pagar pelas horas extraordinárias efetivamente trabalhadas pelo empregado.
. Assédio
moral: quando o empregado sofre assédio moral e o empregador permite
essa prática sem tomar medidas para coibi-la.
. Agressão
física e submissão a perigo manifesto de mal considerável: quando o
empregador ou algum dos seus prepostos ameaçam ou agridem fisicamente o
empregado ou o submetem a um perigo real de sofrer algum dano relevante.
. Redução de
horas ou de salário sem acordo: Se o empregador reduzir o salário ou as horas
de trabalho do empregado sem acordo, isso pode ser motivo para a rescisão
indireta.
Consequências
O
reconhecimento judicial da rescisão indireta resulta na obrigação do empregador
de pagar as verbas rescisórias como se ele tivesse demitido o empregado sem
justa causa. Isso significa que o trabalhador terá direito ao pagamento do
saldo de salários, aviso-prévio proporcional, com a projeção legal, férias
proporcionais com abono de um terço, 13º salário proporcional, liberação de
saque do FGTS com multa de 40% e liberação das guias do seguro-desemprego,
entre outras possíveis parcelas previstas em regulamento empresarial ou em
normas coletivas.
Quando o
empregador não emite imediatamente as guias para saque do FGTS e do
seguro-desemprego, a própria decisão judicial que reconhece a rescisão indireta
serve como documento hábil à liberação dessas verbas.
Formalização
Caso um
empregado esteja sendo vítima do descumprimento reiterado da lei, é importante
que ele documente as irregularidades e leve ao conhecimento do empregador, para
que sejam tomadas as devidas providências. Se a situação se mantiver, o pedido
de rescisão indireta pode ser formalizado por meio de uma reclamação
trabalhista. Isso pode ser feito pelo próprio empregado junto à Vara do
Trabalho mais próxima do local em que ele presta serviços.
Embora a
orientação jurídica profissional seja sempre recomendada, qualquer pessoa pode
reivindicar os seus direitos junto à Justiça do Trabalho sem necessidade de
contratar um advogado, por força do artigo 791 da CLT.
Direitos
É importante
que o empregado esteja ciente de que, no caso de indeferimento de seu pedido de
rescisão indireta na Justiça do Trabalho, o contrato de emprego será
considerado terminado por sua própria iniciativa, como se fosse um pedido de
demissão.
Dessa maneira,
ele não terá direito a sacar o FGTS nem a receber a multa equivalente a 40% do
seu saldo, além de não receber as guias para do seguro-desemprego. Também
ficará sujeito ao pagamento de honorários de sucumbência (devidos pela parte
que perde a ação), calculados sobre o valor atualizado da causa, observadas
as regras específicas aplicáveis aos beneficiários da justiça gratuita.
Abandono de emprego
Em situações
em que a pessoa deixa de comparecer ao trabalho para, em seguida, ingressar com
uma reclamação trabalhista buscando a rescisão indireta, mas não tem sucesso, a
jurisprudência do TST tem entendido que esse
comportamento, por si só, não caracteriza abandono de emprego passível
de justa causa.
A razão é que
a ausência do empregado para pedir a rescisão indireta do contrato de trabalho
constitui o exercício legítimo de um direito previsto em lei. Isso significa
que o afastamento não demonstra a intenção de simplesmente abandonar o emprego,
mas de buscar, de acordo com as normas legais, o término do vínculo em razão de
circunstâncias que tornam a sua continuidade insustentável. Essa distinção é
fundamental para garantir que o empregado não seja injustamente penalizado por
buscar seus direitos nos termos da legislação trabalhista.
Aviso-prévio
Em regra,
quando um empregado decide deixar o emprego por vontade própria, ele deve
cumprir um aviso-prévio. Entretanto, no TST, prevalece a interpretação de que o
ajuizamento de uma reclamação trabalhista com pedido de rescisão indireta supre
essa necessidade. Nesse contexto, mesmo que o pedido seja
indeferido, ele não terá de compensar o aviso-prévio com as possíveis verbas
rescisórias de responsabilidade do empregador.
Proteção de direitos
A rescisão
indireta, quando corretamente fundamentada e respaldada por evidências, é um
valioso instrumento de proteção dos direitos do empregado diante de condições
adversas de trabalho e reiteradas violações contratuais pelo empregador.
Trata-se de um
mecanismo legal a ser utilizado em caráter excepcional, quando a manutenção do
emprego se torna insustentável. Por isso, é importante que seja utilizado com a
lealdade que deve sempre reger a relação entre empregador e empregado.
(Bruno
Vilar/CF)
Fonte: Tribunal Superior do Trabalho