26/08/22 - A Subseção I Especializada em Dissídios Individuais do Tribunal Superior do Trabalho (SDI-1) considerou discriminatória a dispensa de um superintendente de águas da Indaiá Brasil Águas Minerais Ltda. em razão da amizade com ex-empregados considerados desafetos de um dos sócios da empresa. Para o colegiado, a discriminação se deu de forma indireta (em ricochete), ultrapassando o poder diretivo do empregador.
“Feios e gordos”
Na reclamação
trabalhista, o empregado, engenheiro eletricista, disse que trabalhara na
empresa por cerca de 20 anos até chegar a superintendente. Em outubro de 2012,
durante suas férias, um de seus subordinados, por telefone, informou que a
empresa estava buscando nomes para substituí-lo. O motivo seria o fato de ele
ter postado fotos de viagem com dois ex-empregados de quem um dos diretores não
gostava, alegadamente por serem “feios e gordos”, e não admitia que seus
funcionários se relacionassem com eles.
Ao retornar das
férias, ele disse que foi impedido de ingressar na empresa, e seus objetos
pessoais foram recolhidos e entregues em sua residência em caixas de papelão.
Ainda de acordo com seu relato, outros três empregados que participaram da
viagem também foram dispensados.
Faculdade
A empresa, em sua
defesa, sustentou que o ato da dispensa é uma faculdade conferida a todo
empregador para encerrar um contrato de trabalho. Segundo a Indaiá, a demissão
fora uma decisão financeira, e não motivada por amizades mantidas fora do
ambiente de trabalho.
Intolerância
O pedido de
indenização foi acolhido pelo juízo de primeiro grau, e a indenização, fixada
em R$ 150 mil, foi mantida pelo Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região
(CE), para o qual o caso se trata de intolerância pela amizade de empregados
com os ex-empregados, cuja inimizade do sócio da empresa resultou da condição
física dessas pessoas. Segundo o TRT, não se pode acreditar que quatro
funcionários do primeiro escalão tenham sido dispensados “sem qualquer motivo”,
ao mesmo tempo e logo após a viagem.
Sem amparo legal
Ao julgar recurso
de revista da empresa, a Quarta Turma afastou a condenação, por entender que
não se poderia presumir, a partir da decisão do TRT, que o empregado fora
vítima de ato discriminatório, pois estaria se criando uma discriminação de
forma reflexa, sem amparo em lei. De acordo com o colegiado, não havia
referência a sexo, origem, raça, cor, estado civil, situação familiar ou idade
do empregado como motivo da dispensa, o que afastaria o enquadramento do caso
na Lei 9.029/1995, que veda práticas discriminatórias nas relações de
trabalho.
Contra essa
decisão, o supervisor interpôs embargos à SDI-1.
Caso peculiar
O relator dos
embargos, ministro Aloysio Corrêa da Veiga, ressaltou que se tratava de
um caso peculiar, porque a dispensa ocorrera não por ato discriminatório contra
o próprio empregado, mas por ele manter amizade com desafetos de um de seus
diretores. A seu ver, essa espécie de “discriminação por ricochete” requer uma
reflexão sobre os limites do poder diretivo do empregador e a amplitude da
função social do contrato de trabalho e da inibição do exercício abusivo desse
direito.
Poder potestativo
Segundo o
ministro, o poder potestativo do empregador de dispensar empregados tem
previsão no artigo 2º da CLT. Entretanto, ele está
vinculado ao exercício de todas as atividades administrativas da empresa,
como organizar regras de trabalho, fiscalizar e mesmo aplicar punições.
“Esse poder decorre da necessidade de controlar a prestação dos serviços para o
fim de conferir a produção e a qualidade do produto final do trabalho”,
explicou.
No caso, contudo,
a conduta empresarial de demitir o empregado em razão de suas relações pessoais
atinge a dignidade e causa sofrimento. “Não há como admitir que ofensa
relacionada com a qualidade física de amigos pessoais seja argumento para
demissão de um empregado, quando o poder diretivo tem limite na qualidade do
trabalho e no cumprimento das regras empresariais - que, no caso, não foram
fundamento da dispensa, ao contrário, foram elementos de elogios para o
trabalho realizado“, assinalou.
Vedação legal
O relator
observou, ainda, que o artigo 1º da Lei 9.029/1995 veda a discriminação “por motivo de sexo,
origem, raça, cor, estado civil, situação familiar, deficiência, reabilitação
profissional, idade, entre outros”. Trata-se, segundo ele, de um rol
exemplificativo. “Cabe entender que a discriminação pode ocorrer de várias
formas, incumbindo apenas decifrar se a intenção do empregador está
vinculada ou não ao trabalho, já que nem sempre as razões efetivas são
enunciadas de forma tão explícita”, ressaltou.
Para o ministro, a
dispensa infundada, com fundamento na amizade do empregado com pessoa desafeta
do empregador, “e, mais ainda, quando a razão da inimizade decorre de aversão
descabida a características físicas dessas pessoas”, sustenta o entendimento de
efetiva discriminação, que deve ser repudiada.
Com o
reconhecimento da dispensa discriminatória, foi restabelecida a decisão do TRT,
e o processo retornará à Quarta Turma para o exame dos demais temas do
recurso.
Fonte: Tribunal Superior do Trabalho