20/12/22 - A Oitava Turma do Tribunal
Superior do Trabalho rejeitou o exame de recurso da Uber do Brasil Tecnologia
Ltda. contra decisão que reconheceu o vínculo de emprego de uma motorista do
Rio de Janeiro (RJ). Segundo o relator, ministro Agra Belmonte, a relação da
motorista com a empresa é de subordinação clássica, pois ela não tem nenhum
controle sobre o preço da corrida, o percentual do repasse, a apresentação e a
forma da prestação do trabalho. “Até a classificação do veículo utilizado é
definida pela empresa, que pode baixar, remunerar, aumentar, parcelar ou não
repassar o valor da corrida”, ressaltou.
A motorista trabalhou para a Uber
entre 2018 e 2019. Segundo ela, sua remuneração mensal era de cerca de R$
2.300, e seus gastos com combustível e manutenção do automóvel eram de R$ 500.
Além do vínculo, ela pediu, na reclamação trabalhista, horas extras, ressarcimento
desses valores e indenização por danos extrapatrimoniais.
Subordinação algorítmica
O pedido foi julgado improcedente
pelo juízo de primeiro grau. Após a sentença, foi apresentada uma proposta de
acordo pelo qual a motorista receberia R$ 9 mil a título de indenização e
desistiria do seu recurso ordinário. Mas o Tribunal Regional do Trabalho da 1ª
Região não homologou o acordo, por entender que seus termos eram inadequados, e
reconheceu o vínculo de emprego.
A decisão levou em conta que a lei,
acompanhando a evolução tecnológica, expandiu o conceito de subordinação
clássica, a fim de alcançar os meios informatizados de comando, controle e
supervisão. “O que a Uber faz é codificar o comportamento dos motoristas, por
meio da programação do seu algoritmo, no qual insere suas estratégias de
gestão, e essa programação fica armazenada em seu código-fonte”,
concluiu.
Litigância manipulativa
Ao analisar o agravo pelo qual se
pretendia rediscutir a não homologação do acordo, o ministro Agra Belmonte
ressaltou que, segundo o TRT, a empresa vem se utilizando de um expediente
conhecido como “litigância manipulativa” - o uso estratégico do processo para
evitar a formação de jurisprudência sobre um tema (no caso, o vínculo de
emprego). Um dos aspectos da prática é a celebração de acordo apenas nos casos
em que houver a expectativa de que o órgão julgador vá decidir em sentido
contrário ao seu interesse.
Na conclusão do ministro, a
finalidade do acordo proposto pela Uber não foi a conciliação em si, como
meio alternativo de solução de conflitos, “mas um agir deliberado, para impedir
a existência, a formação e a consolidação da jurisprudência reconhecedora de
direitos trabalhistas aos seus motoristas”. Essa conduta, a seu ver, configura
abuso processual de direito.
Uberização
Em relação ao vínculo de emprego, o
relator observou que a nova modalidade de prestação de serviços de transporte
individual, mediante uma “economia compartilhada”, embora tenha inserido uma
massa considerável de trabalhadores no mercado, também é caracterizada pela
precariedade de condições de trabalho, com jornadas extenuantes, remuneração
incerta e submissão direta do próprio motorista aos riscos do trânsito.
“Doenças e acidentes do trabalho são capazes de eliminar toda a pontuação
obtida na classificação do motorista perante o usuário e perante a distribuição
do serviço feita automaticamente pelo algoritmo”, exemplificou.
Na avaliação do relator, os
princípios da livre iniciativa e da ampla concorrência “não podem se traduzir
em salvo-conduto nem em autorização para a sonegação deliberada de direitos
trabalhistas”.
Controle do meio produtivo
Para Agra Belmonte, a expressão
“subordinação algorítmica” apontada pelo TRT é uma “licença poética”. “O
trabalhador não estabelece relações de trabalho com fórmulas matemáticas ou
mecanismos empresariais, e sim com pessoas físicas ou jurídicas detentoras dos
meios produtivos”, assinala. E, nesse sentido, a CLT (artigo 6º, parágrafo
único) estabelece que os meios telemáticos e informatizados de comando,
controle e supervisão se equiparam, para fins de subordinação jurídica, aos
meios pessoais e diretos.
“A Uber não fabrica tecnologia, e
aplicativo não é atividade. É uma transportadora que utiliza veículos de
motoristas contratados para realizar o transporte de passageiros”, afirmou o
relator. “Basta ela deslogar o motorista do sistema para que ele fique excluído
do mercado de trabalho. Basta isso para demonstrar quem tem o controle do meio
produtivo”, concluiu.
A decisão foi por maioria, vencido o
ministro Alexandre Ramos, que compunha o quórum da Oitava Turma.
Divergências
A questão do vínculo de emprego entre
motoristas e plataformas de aplicativos ainda é objeto de divergência entre as
Turmas do TST. A matéria já está sendo examinada pela Subseção I Especializada
em Dissídios Individuais (SDI-1), órgão responsável pela uniformização da
jurisprudência das Turmas. Dois processos com decisões divergentes começaram a
ser examinados em outubro, e o julgamento foi interrompido por pedido de vista,
após sugestão do atual vice-presidente do TST, ministro Aloysio Corrêa da
Veiga, de que o tema seja submetido à sistemática dos recursos repetitivos.
Fonte: Tribunal Superior do Trabalho